domingo, 13 de dezembro de 2009
Melhores da década
1 - Flaming Lips - Yoshimi Battles the Pink Robots
2 - Fleet Foxes - Fleet Foxes
3 - Jay Jay Johanson - Whiskey
4 - Belle and Sebastian - Fold Your Hands Child, You Walk Like a Peasant
5 - High Llamas - Can Cladders
6 - Radiohead - In Rainbows
7 - Clinic - Walking With Thee
8 - The Legends - Up Against the Legends
9 - Chemical Brothers - Surrender
10 - Thievery Corporation - The Cosmic Game
Discos Nacionais:
1 - Bebel Gilberto - Tanto tempo
2 - Marisa Monte - Infinito Particular
3 - Los Hermanos - Ventura
4 - Mônica Salmaso - Nem 1 Ai
5 - Siba - Toda vez que eu dou um passo, o mundo sai do lugar
6 - Moacir Santos - Choros & Alegria
7 - Fellini - Amanhã é Tarde
8 - Max de Castro - Samba Raro
9 - Adriana Calcanhoto - Maré
10 - Bid - Bambas e Biritas
Livros:
1 - J.M. Coetzee - Desonra
2 - W.G. Sebald - Austerlitz
3 - Alan Pauls - O passado
4 - Milton Hatoum - Dois Irmãos
5 - Amós Oz - Rimas da Vida e da Morte
6 - Cees Nooteboom - Paraíso Perdido
7 - Enrique Vila-Matas - A Viagem Vertical
8 - Javier Marías - Coração tão Branco
9 - David Grossman - Desvario
10 - Claudio Magris - O Senhor vai Entender
Filmes (Língua Inglesa) :
1 - Brilho eterno de uma mente sem lembranças (Michel Gondry)
2 - Encontros e desencontros (Sofia Coppola)
3 - Igual a tudo na vida (Woody Allen)
4 - A História real (David Lynch)
5 - Magnólia (Paul Thomas Anderson)
6 - Clube da luta (David Fincher)
7 - Match point (Woody Allen)
8 - Flores partidas (Jim Jarmusch)
9 - A lula e a baleia (Noah Bambach)
10 - Sideways (Alexander Payne)
Filmes Europeus / Latinos:
1 - Os sonhadores ( Bernardo Bertolucci)
2 - Fale com ela (Pedro Almodóvar)
3 - O fabuloso destino de Amélie Poulain (Jean-Pierre Jeunet)
4 - Segunda-feira ao sol (Fernando León Aranoa)
5 - O mesmo amor, a mesma chuva (Juan José Campanella)
6 - Medos privados em lugares públicos (Alain Resnais)
7 - Amantes constantes (Philipe Garrel)
8 - Uma garota dividida em dois (Claude Chabrol)
9 - Intimidade (Patrice Chéreau)
10 - A menina santa (Lucrecia Martel)
Filmes orientais:
1 - O voo do balão vermelho (Hou Hsiao-Hsien)
2 - Amor à flor da pele (Wong Kar-Wai)
3 - Time (Kim Ki-Duk)
4 - Dolls (Takeshi Kitano)
5 - Balzac e a costureirinha chinesa (Dai Sijie)
6 - 2046 (Wong Kar-Wai)
7 - As coisas simples da vida (Edward Yang)
8 - Mal dos trópicos (Apichatpong Weerasethakul)
9 - Casa vazia ( Kim Ki-Duk)
10 - Síndromes e um século (Apichatpong Weerasethakul)
Filmes nacionais:
1 - Cidade de Deus (Fernando Meirelles)
2 - Jogo de cena (Eduardo Coutinho)
3 - 1972 (José Emílio Rondeau)
4 - Separações (Domingos de Oliveira)
5 - O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburguer)
6 - O outro lado da rua (Marcos Bernstein)
7 - O Céu de Suely (Karim Ainouz)
8 - O Homem que copiava (Jorge Furtado)
9 - Chega de saudade (Laís Bodanzky)
10 - Cinemas, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes)
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Yo no buscava nadie e te vi
Ele: Desculpe, mas não podemos responder. Segredo de casal...
Ela: É que o antes deixou de contar para nós.
Ele: Exato. Decidimos apagar o passado, já que nossa existência se fez plena somente depois de nos ligarmos. Agora somos apenas Julia Eu e Tu.
Por que Julia e não um nome masculino?
Ele: Ora, porque as mulheres sempre têm preferência. O senhor nunca ouviu falar em cavalheirismo?
Ela: Ele não é mesmo um gentleman?
Quando vocês se conheceram?
Ele: Há três primaveras. Eu frequentava festas de casamento, sabe? Ali as moças solitárias se mostram mais vulneráveis...
Ela: Até me fisgar, ele se portava como um sedutor irresponsável. Um Dom Juan, imagine!
Ele: De fato. Eu era um autêntico heartbreaker. E não me incomodava de agir assim. Mas as coisas mudaram da água para o vinho mal a avistei em uma daquelas festas.
Ela: Eu estava distraída, muito distraída. Perto da meia-noite, saquei da minha bolsa minha cigarrilha francesa e...
Ele: ...prontamente acendi meu Zippo prateado.
Ela: Um isqueiro robusto que, numa fração de segundos, se colocou à minha frente, com uma labareda irrecusável.
Ele: E olha que nem fumo! Carregava o Zippo no paletó justamente para emergências do gênero.
Ela: Costumo dizer que nos completamos desde o primeiro instante. Eu com a cigarrilha francesa, ele com o Zippo prateado.
Vocês buscavam a alma gêmea ou tudo se deu por acaso?
Ele: Não buscava conscientemente. Só compreendi que a procurava quando a encontrei.
Ela: Também não creio que buscasse. Estava distraída demais para pensar nisso. Gosto de acreditar que o acaso nos apadrinhou.
Ele: O acaso é o pai da felicidade, meu caro. E a expectativa, a mãe da decepção.
O que o atraiu nela?
Ele: A distração, sem dúvida. Adoro mulheres distraídas. Uma dama distraída é uma dama desprotegida.
O que a atraiu nele?
Ela: A elegância, a masculinidade germânica e, principalmente, o ar protetor.
Em que momento vocês se fundiram?
Ela: Foi quando nos abraçamos, ainda naquela deliciosa festa de casamento.
Ele: Um único abraço, enquanto os músicos tocavam uma valsa...
Ela: ...e não nos separamos mais. Como nos folhetins.
Vocês tem saudade da época em que eram inteiros?
Ele: Que pergunta estranha! Nós somos inteiros, senhor!
Ela: Um inteiro que se compões de duas metades. Não parece óbvio?
Vou indagar de outra maneira: depois que vocês se aglutinaram, o que ocorreu com os desejos de cada um? Sumiram? Modificaram-se?
Ele: Não sumiram de jeito nenhum. Ela, inclusive, se esforça bastante para realizar os meus desejos.
Quais?
Ele: Francamente! Pedir que um cavalheiro desnude intimidades de alcova em público...
Não me refiro a desejos sexuais.
Ele: Ah, perdão. Na verdade, jamais examinei o assunto em detalhes. Permita-me consultá-la: "Querida, você acha que possuímos desejos individuais?".
Ela: Não sei... O meu olhar já se confundiu tanto com o seu...
Ele: O que existe são diferenças de comportamento.
Ela: Sim, algumas.
Por exemplo?
Ela: Eu fumo, como mencionei no início da conversa.
Ele: Eu abomino cigarros.
E de que modo resolvem o impasse?
Ela: Tento fumar longe dele.
Impossível, não?
Ela: Nada é impossível para o amor.
Ele: Bingo! A danadinha sempre tira a frase da cartola quando se vê em apuros.
Ela: Eu também aprecio um bom drinque.
Ele: Eu bebo pouco. Mas não me importo de, às vezes, suprendê-la alegrinha. Admiro o senso de humor dela sob a inspiração do álcool.
Ela: Em contrapartida, dormimos e acordamos no mesmíssimo horário.
Ele: É incrível! Todas as manhãs, tão logo me espreguiço, lhe pergunto: "Acordou?"...
Ela: ...e eu: "Acabei de despertar".
Caso vocês se separem...
Ela: Por favor, nem continue! Não suporto a ideia de nos separarmos. Se uma tragédia dessas acontecer, vou tomar muita champanhe de quinta. Litros e litros!
Ele: Os profissionais de imprensa deveriam poupar os leitores de ilações sensacionalistas...
Ela: Mas por que o senhor levantou a hipótese? Ele lhe confidenciou algo? O canalha planeja me abandonar?!?
Ele: Alto lá! Vamos encerrar imediatamente a entrevista! O senhor não percebe que está magoando a minha esposa?
Deixe-me apenas finalizar... qual a maior vantagem de dividir o mesmo corpo?
Ele e Ela: Nunca ficar só.
E a maior desvantagem:
Ele e Ela: Nunca ficar só.
***
O semanário inglês NME (New Musical Express) divulgou na semana passada uma lista de cinquenta discos fundamentais da presente década. Esforcei-me e decidi escolher dez que não se pode morrer sem ouvir.
1 - Yankee Hotel Foxtrot - Wilco
2 - Poses - Rufus Wainwright
3 - Howl - Black Rebel Motorcycle Club
4 - Ventura - Los Hermanos
5 - Sea Change - Beck
6 - Oh You're So Silent Jens - Jens Lekman
7 - City Zen - Kevin Johansen
8 - Gulag Orkestar - Beirut
9 - For Emma, Forever Ago - Bon Iver
10 - Back To Black - Amy Winehouse
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Tango de los noventa minutos
"No me dejen afuera". É o que os 40 milhões de argentinos lêem na capa do tradicionalmente gaiato diário esportivo Olé, na manhã de hoje. Esses mesmos 40 milhões de corações estarão hoje as 19 horas, no horário de Buenos Aires, aglomerados diante de um aparelho televisor, que transmitirá a decisiva partida contra o Uruguai, que decidirá o futuro do futebol argentino. A partida é decisiva para a inclusão de argentinos e também uruguaios na copa da África do Sul, no ano vindouro. Independente do resultado da partida, esse foi o ano da Argentina no Thiago. Principalmente pela literatura portenha, terreno em que nós brasileiros perdemos de goleada para os vizinhos.
O melhor livro que li no ano é um clássico da literatura portenha, trata-se de "Sobre heróis e tumbas" do muito citado para vencer o nobel desse ano "Ernesto Sabato". A propriedade da condução de um romance é a marca de Sabato. Que nesse volume, cria quase que um mundo personal onde se desenrolam seus acontecimentos, sem fugir do fantastico na literatura, peculiaridade muito argentina, ele cria um tratado sobre a passionalidade dos portenhos diante da vida. Desde a simplicidade do esporte até as questões mais sensíveis como a liberdade humana. Será que um ato gratuito mostra que está livre dos grilhões da existência? Uma estória de amor de um jovem saudável e tolo por uma mulher doente e sofisticada, em todas as gamas que os adjetivos podem atingir, transforma-se em um painel da vida portenha no século XX. Sobre heróis e tumbas é o guernica pintado em azul e branco.
O último grande romance que li, também foi parido por um louco da bacia do Plata. Alan Pauls, com seu: "O passado"; agride, choca, enfia o dedo com sujeira em baixo da unha na ferida aberta. Com seus períodos longuíssimos não demonstra o mesmo talento em conduzir um romance(pelo menos não da maneira que mais me agrada), mas vence o leitor pela ousadia com que expõe as ignomínias que existe dentro de cada ser humano. O livro me ajudou a entender mais claramente que o passado deve ser enterrado sem muita reverência. Acho que saí um pouco mais duro da leitura. E acho que esse é um ponto fundamental de superioridade da literatura sobre as outras artes. O poder transformador. Uma canção pode mudar meu humor, uma pintura pode me ensimesmar, mas somente a leitura transforma. Eu não saí o mesmo dos grandes livros que li, eles auteraram algo na estrutura do meu DNA. E "O passado" teve esse poder, tornei-me uma pessoa diferente, ainda não posso dizer se para o bem ou para o mal. Não temam o passado e mergulhem de cabeça no romance de Alan Pauls. E assistam ao filme, somente depois da leitura, para dar risadas.
Já foi citado nesse espaço o sempre subestimado cancioneiro portenho, e destaco da safra 2009 dois grandes lançamentos dos hermanos. O primeiro é do grande violonista Federico Aubele, que chega com a sua peculiar elegancia ao terceiro álbum, onde marca presença mais constante nos vocais do que nos discos anteriores. "Amatoria" não é o melhor disco de Aubele, mas mostra o compositor transitando por um terreno mais próximo da música tradicional argentina, abrindo um sorriso de contentamento em Atahualpa Yupanki, onde quer que ele esteja. Destacaria também a banda, El Mató Un Policía Motorizado, que flerta com o famigerado post-rock, mas com uns toques criativos personalíssimos de seu passaporte argento. Eles lançaram três discos que formam uma espécie de trilogia sonora, altamente recomendável: Navidad de Reserva, Un Millón de Euros, e Dia de Los Mortos.
Talvez o impacto de duas tragédias em sequência, abale a auto-estima do cidadão argentino, pois podia-se notar o abalo que foi para os argentinos a perda da voz de Mercedes Sosa, que representava a resitância argentina em tempos menos tranquilos. Entretanto acho que o volume cultural que vem dos pampas cada vez se torna maior, em caso de derrota nos campos, acho que o argentino deveria pedir uma Quilmes gelada e gastar algumas horas a ler Alan Pauls em algum charmoso bar de Buenos Aires. E preciso confessar, apesar da apologia argentina, hoje visto azul celeste.
***
Poucos são os programas que me fazem ligar o aparelho televisor, e as reprises do genial sitcom Seinfeld é um desses. Uma possível volta foi ensaiada em um episódio da série "Curb you enthusiasm", que é escrita e protagonizada por um dos gênios por traz de Seinfeld: Larry David. Fica a minha torcida por novas estorietas sobre o nada.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Fado de dois lustros
Tenho uma forte lembrança da infância, de quando ia à casa da minha avó materna e era entupido com quitutes e música lusitana. Sempre foram duas das minhas paixões a gastronomia e a música. Posso sentir o gostinho dos pastéis de Santa Clara só em rememorar aquelas manhãs de domingo. Apesar de ser uma criança gulosa, o clímax dessas visitas era o aparelho de som muito arcaico que minha avó conservava, e ainda conserva, como objeto de decoração por contar com raras visitas do neto melômano. O antigo aparelho, era um móvel que tomava destacada posição na bem decorada sala de estar da antiga casa da vovó, os meus ouvidos sensíves se espantavam com o barulho que aquelas caixas de mogno podiam provocar. E havia uma estratégia para alcançar um som mais grave e potente: enfiava metade do meu pequeno corpo em um orifício no centro do "móvel" e de lá ouvia os clássicos e alguma música popular brasileira e também portuguesa.
Essa nostalgia toda não é fortuita, ou gratuita, o dia 6 de outubro traz de volta um pouco do menino que entrava no buraco do aparelho de som da avó. Há dez anos exatos morria a maior intérprete de além-mar, a voz que adorava ouvir seguro, dentro daquele buraco, onde no auge da minha infância podia me proteger de toda a sorte de desventuras e infortunios que vinham a reboque daquela bela voz, além do abrigo físico havia a inocência infantil. Para a criança, era até engraçado ouvir a maneira com que ela pronunciava as palavras conhecidas de uma maneira totalmente diversa do que meus pais, irmãos e amiguinhos falavam. Não entendia a tristeza do fado, que só depois de alguns anos viria me atingir.
E foi no dia 6 de outubro de 1999 que aos 16 anos, com os ouvidos já bastante detonados pelos Heavy-metals e Hardcores que escutava naqueles tempos recebi do meu pai a notícia da morte de Amália Rodrigues, foi o dia que entendi a tristeza plácida do Fado. Foi como se uma tia que fora muito próxima na infância, mas que depois houvesse se distanciado, morresse. Lembro da maneira que "Estranha forma de vida" ecoava na minha cabeça, e lembro também que chorei pela tia. Ouvir a voz de Amália é prestar tributo a beleza de ser lusófono, e sobretudo, um deleite maior que o dos pastéis de Santa Clara.
Para passar uma impressão menos triste nesse post, deixo uma indicação da nova(velha) música portuguesa, o jovem Antonio Zambujo, que faz releituras dos "standards" do fado e algumas novas composições com uma bela voz, vale a audição.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
To make a prairie
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Bodas de prata
Impressiona-me a capacidade dos ídolos brasileiros, de qualquer campo, em emitir opiniões estúpidas. Pelé é quase incontestavelmente o maior jogador de futebol de todos os tempos e acumula a esse título, outro, o de campeão em declarações infelizes e equívocadas. Até mesmo um dos maiores compositores populares do país, insiste em exaltar uma ditadura que matou milhares e levou uma pequena ilha a total bancarrota, e ataca uma ditadura que teve dezenas de vítimas fatais e mandou para o degredo uns privilegiados que passaram férias forçadas em Londres, Santiago, Paris... Caetano Veloso disse em entrevista ao JB em 91 que morria de rir ao assistir Paris, Texas, pois se tratava de um filme ridículo. Sem dúvida é a pior das declarações já emitidas por um destacado nome da cultura nacional.
Certa vez ouvi ou li alguém dizer que os filmes de Win Wenders são como quadros, que deviam ser estudados diante do impacto visual que nos causam. As primeiras cenas de Paris, Texas realmente impressionam pela beleza e exatidão da fotografia de Rubby Müller, que com certeza deve ter recebido pitacos do diretor geral (ah, não entendo muito dessas coisas). O impacto da imensidão do deserto Mojave, do falcão solitário, como o homem magro que vaga por aqueles tons terrosos que parecem ter saído de uma tela de Paul Klee. Compreendo os que percebem essa beleza, também não fico imune. Mas o essencial do filme passa ao largo dessa estética rebuscada. Wenders conseguiu dar os mais belos movimentos ao roteiro de Sam Shepard, que conta a mais sensível e interessante estória sobre família com que já tive contato.
É desnecessário resenhar o enredo do filme, já muito conhecido que é, mas é impossível mencionar a película sem comentar as sutilezas dos diálogos entre pais e filho; A forma com que os atores encarnam os sentimentos dos personagens(nesse filme até eu consigo perceber as boas atuações); a beleza de Natassja Kijinski, jamais existirá mulher mais bela que Natassja Kijinski em Paris, Texas, sua primeira aparição dura poucos segundos: está de costas, com um profundo decote que deixas as mesmas quase totalmente desnudas e num átimo se vira e é revelada a mulher mais bela que existiu, naqueles (não mais de)cinco segundos capturados pelas sensíveis lentes de Wenders.
O filme conta com momentos tocantes a todo tempo, a cena em que pai biológico(Travis), filho(Hunter), pai e mãe adotivos(Walt e Anne) assistem juntos uma película em Super-8 é de fazer chorar o mais bruto dos homens; até mesmo com luz e sombra a obra de Wenders pode te tocar; um rápido diálogo entre Hunter e Travis sobre paternidade e morte é emocionante: Travis mostra um álbum com fotos antigas ao seu filho Hunter, dentre elas uma foto do pai de Travis e então tem início o diálogo de um homem atormentado com uma criança de 8 anos.
Hunter: Onde ele está agora? (sobre seu avô, pai de Travis)
Travis: Ele está morto, morreu alguns anos depois de tirar essa foto.
Hunter: Oh, ele está morto...
Travis: Ahãnn...
Hunter: Como você sente que ele está morto?
Travis: Como assim?
Hunter: Não lembra dele caminhando por aí e falando?
Travis: Lembro.
Hunter: Então como pode achar que ele está morto?
Travis: É, mas sei que ele morreu.
Hunter: Eu nunca senti que tinha morrido, pois lembrava de você caminhando por aí e falando...
Reduzido a um diálogo aqui, pode não significar nada, mas dentro daquele filme, dito por um filho que reencontra o pai depois de passar metade de sua vida sem vê-lo, é demasiado tocante. Há ainda o retrato de uma relação amorosa destroçada pelo ciúme, um homem que amava demais, que enlouquece e vaga sem lembrar de filhos, trabalho...
Paris, Texas é a estória cotidiana, de uma família comum, mas contada de uma maneira brilhante e sensível pelas lentes de Wenders e a emoção do seu elenco.
Esse ano o Road Movie completa 25 anos e jamais me parecerá anacrônico, tanto pelo seu tema atemporal quanto pela beleza de imagem e som (precisaria de um post exclusivo para falar sobre a trilha sonora de Ry Cooder). Nunca uma palma de ouro foi tão bem entregue. É sem dúvida o filme da minha vida. Caetano ri e eu choro.
***
Não há como deixar sem comentários a vitória incrivel de Juan Martín Del Potro sobre Roger Federer. Valeu a pena ficar acordado ate muito tarde, e passar 4 horas em frente ao televisor, para ver o triunfo do jogo vibrante e exuberante do argentino sobre a exatidão técnica e chata do Suíço. O barulho da torcida e poderosos golpes de direita (que até me lembraram de Guga nos melhores dias) levaram o promissor tenista argentino ao seu primeiro título de expressão.
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Bon hiver
Justin Vernon, andava impaciente com sua rotina, uma banda nada promissora, um emprego medíocre, uma cidade com pouca vida... talvez por culpa da impaciencia até as coisinhas medíocres que estavam em seu lugar, ruiram: sua banda acabou, contraiu mononucleose, levou um pé na bunda da namorada; para quem havia prometido há tempos compor um disco com canções dedicadas a ela. Justin não foi muito célere nesse processo de composição, dizia que muitas vezes era cobrado pela namorada e nada tinha para mostrá-la.
Depois de todos esses acontecimentos desagradáveis Justin decide partir para o isolamento em uma antiga cabana do seu pai, nas montanhas do Wisconsin, onde ele até foi à caça, trazendo para a cabana carne de dois veados que serviram de alimento durante os três meses que passou no degredo gelado. Além de carne de veado caçado pelas próprias mãos, Justin se alimentava com uma dieta pouco saudável de seriados no seu DVD player, incluindo uma que se passava no Alaska, Northern Exposure, onde via os personagens dando boas vindas ao inverno com a expressão francesa Bon hiver, tirando daí o nome para a banda de um homem só que formara em sua cabana, acompanhado apenas da carne de dois veados e dos DVDs de seriados.
For Emma, forever ago, é um discaço, tão belo quanto triste. Pode-se sentir a solidão na voz de Justin, a dor é a mola mestra de canções como Skinny Love. "I told you to be patient/ I told you to be fine/ I told you to be balanced/ I told you to be kind/ In the morning i'll be with you/ But it will be a different 'kind'/ I'll be holding all the tickets/ And you'll be owning all the fines". Podemos ouvir ecos de genialidade à Nick Drake e Bob Dylan em outras canções como For Emma e Re: Stacks. Justin declarou que nesse isolamento realmente conheceu a si mesmo, fez uma exumação nas cinzas que sobraravam dele, e que assim conseguiu construir uma bela obra. Mesmo que você esteja bem com o seu amor, é válido subir as montanhas para escutar Bon Iver.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Billie Holiday encontra Rimbaud
"All the gold and silver
can measure up my love for you
its so material
precious little you given me
precious little you got to say
precious time is what you've taken
wish I could find you again
what can it get me to stand by you
precious little I got to show for it
me as the faucet you as the drain
precious little I got to know for it
I gave you a wristwatch you
wouldn't even give me the time of day
you gave me a memory a memory
is what you are to me
times passing I got no time
to look back and you know it
but I got to cause you're there
and I'm here so blue
and gold and silver
but I got to and I do
I laugh til I'm sick
til I vomit til I spit
till I piss til I shit
till I puke up everything
I got which is
Precious little is what you are to me
precious little is what you are
I don't think of you much
I got little to say still
I wish I could find you and give
you my precious little
all the gold and silver".
( Patti Smith, Witt)
terça-feira, 23 de junho de 2009
A viagem dos arcanjos
No belíssimo e singelo filme Le Voyage du Ballon Rouge, o diretor chinês Hou Hsiao-Hsien preocupa-se em evidenciar e proporcionar maiores tonalidades aos rastros: um misterioso balão vermelho acompanha o menino Simon, por Paris. Sutil e delicado, funciona perfeitamente como um inefável anjo protetor.
Foi exatamente com a mesma inteligência celestial, que Cees Nooteboom escreveu o "Paraíso perdido".
Através de labirintos e caminhos metalinguísticos, o genial holandês intensifica a projeção para os laços. Afinal, se "coincidência foi a palavra escolhida por Deus para não assinar embaixo", segundo Baby Consuelo, outrora em uma entrevista, neste livro (traduzido por Cristiano Zwiesele, lançado pela Companhia das Letras), o acaso proporciona o encontro entre os viajantes. Aqui, é digno enfatizar a ambiguidade do termo.
Alma, uma sensível jovem brasileira é vítima de estupro, em São Paulo. Afim de abstrair o trauma, viaja para Austrália com Almut, que mesmo bastante diferente quanto aos objetivos e olhar para a vida, é a sua melhor amiga.
Enquanto Alma apresenta inclinações para o olhar interior e a espiritualidade, Almut está preocupada apenas em se divertir. Por exemplo, ao comentar sobre uma obra de Bottticelli, Alma divaga:
"O efeito mágico do original me deixa atarantada de uma maneira que eu não saberia descrever".
Logo após mencionar outra comparação, Almut - irônica - utiliza a expressão "Histeria silenciosa".
Paralelo, está Erik Zondag, que apresenta problemas com o álcool; até que segue rumo aos Alpes austríacos, para cuidar da saúde. Durante o período de tratamento rigoroso, o crítico literário - entregue ao acaso -, também está acompanhado.
Isso, mesmo sem saber ao certo "em que disposição de espírito se encontrava quando embarcou no trem com destino à Áustria (...); sabia apenas que estava indo submeter-se ao tratamento que seu amigo Arnold Pessers lhe havia recomendado".
Nesta obra, pessoas e acontecimentos podem ser - aparentemente - distintos, mas ao mesmo tempo é estabelecida a confluência. Alma e Erik apresentam experiências de vida muito semelhantes: ambos passam por atribulações e realmente é necessário um amparo angelical - até, no sentido metafórico.
Fino e intenso, Cees Nooteboom habilidosamente - modela o onírico. De forma doce, muito preciso, faz soar pela trombeta literária, as diversas sintonias deixadas pela aura. No tempo e espaço.
sábado, 13 de junho de 2009
La science des reves
Assim como Holden Caulfield, - sinto-me um rebelde em poder ter alguma coisa em comum com ele - não gosto de cinema. Ao menos sei avaliar as interpretações, não sei distinguir um ator genial de um bom ator (acho até que tal distinção não existe). Mas obviamente sei quando está em cena um mau ator, pois um mau ator pode estragar qualquer bom texto. Sou incapaz de me encantar pela técnica de qualquer cineasta que seja, embora já tenha sido profundamente tocado por alguns filmes. Quando digo não gostar de cinema, é na realidade, não colocar a arte (ou seria ciência?) cinematográfica no mesmo patamar da música ou da literatura. Até porque o cinema tem que comer muito feijão com arroz para chegar lá, até mesmo cronologicamente.
Como na estória dos milionários californianos que chamaram os maiores especialistas em vinho da França, para projetarem as vinícolas californianas à imagem e semelhança das melhores vinícolas francesas. Os especialistas assim fizeram, então um dos endinheirados da Califórnia questionou: temos vinhos tão bons quanto os franceses? E o francês retrucou: É, só precisa esperar uns 200 anos. (Há um bocado de retórica nessa estorieta, ok, amantes dos vinhos?).
Em uma avaliação pessoal, estão no mesmo grau de importância o cinema e o futebol. (que claramente é um esporte, embora exista inegavelmente um tanto de arte) Durante algum tempo consigo vencer a preguiça e vou muito ao cinema, os títulos parecem me interessar e estou sempre no escuro das salas cariocas, mas é sazonal, não consigo vencer sempre a preguiça, ainda que nos jornais me depare com filmes que despertem meu interesse.
Não lembro a última vez que fui ao cinema, mas o último filme assisti há poucas horas, e me deixou realmente feliz, como as canções de Yelle. La science des reves, é um filme de Michel Gondry, de 2006, o que me faz sentir arrependimento por ser preguiçoso e não ter assistido antes. Trata-se de uma divertidíssima estória, cujo centro é Stéphane Miroux (Gael Garcia Bernal) um desenhista mexicano, de mãe francesa, a quem vai visitar após a morte do pai. Stéphane sempre confundiu a vida real com os sonhos, ou sempre achou mais fácil aceitar os sonhos em vez de se deparar com a realidade. Apaixona-se pela vizinha Stéphanie (Charlotte Gainsbourg, esbanjando charme) mas tem muita dificuldade em assumir verdadeiramente a paixão, então usa de estratagemas oníricos para conseguir tomar coragem e aproximar-se de Stéphanie.
Consegue um emprego enfadonho, com colegas bizarros, que também só consegue encarar se enchendo de uma carga extra de sonhos que invadem a realidade. O filme é cheio de momentos hilários, onde o gênio de Gondry se faz presente. A óbvia atmosfera videoclipica do filme dá o tom dos sonhos e devaneios de Stephanie. Diálogos cheios de provocação e obscenidades também dão um coloração menos ingênua ao mundo de fantasias gondryano. A variação entre 3 idiomas cria uma sensação de estranheza ainda maior à falta de linearidade da película. Evitaria qualquer comparação à Eternal sunshine of spotless mind, mas inevitável que é... não acho que seja uma produção superior, mas um Eternal sunshine com leveza, como a dos pedaços de algodão que se mantém suspensos se tocarmos o acorde certo.
Se os leitores cinéfilos (ou não) dão crédito à alguém que diz não gostar de cinema, fica a dica, de pouco mais de uma hora e meia de diversão e beleza. E ah, hoje vou apoiar o Fogão, rumo a primeira vitória no campeonato.
terça-feira, 9 de junho de 2009
Os labirintos de Faulkner
Apropriando-se da técnica do relato, o livro publicado na década de 30 é rico em metáforas e labirintos oníricos; o leitor pode em várias circunstâncias ter a sensação de desencontro, mas logo situa-se através de rastros - embora um tanto subjetivos - e referências imagéticas no decorrer da leitura. Tudo chega a parecer intangível, mas é (sensorialmente) possível "localizar-se" nos retalhos literários de Faulkner.
O fluxo psicológico envolve a humilde família Bundren, cuja missão é realizar o último desejo de Addie, a matriarca que sempre quis ser enterrada na cidade de Jefferson.
Comovido pela simplicidade deste sonho, Anse - o marido - prometeu ser fiel ao sonho da esposa. Repleta de questionamentos filosóficos, assim inicia a saga dos camponeses - rudes e sofridos.
Em capítulos bem curtos - teatralmente - aos poucos cada personagem se revela: pela forma de falar, como reagem aos acontecimentos, exacerbam seus conflitos. Através de enigmas, projetam um mosaico de sensações. Cada relato é a chave para uma nova atmosfera, onde a noção temporal é ambígua e repleta de signos.
Assim, Enquanto agonizo - através dos devaneios - questiona e reformula os conceitos que norteiam os meandros da denominada 'verdade' e como diria o próprio mestre:
" Ninguém procura ser obscuro só pelo prazer de sê-lo. Mas em certos momentos, o escritor é simplesmente incapaz de encontrar um meio mais eficaz de contar a história que busca contar".
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Tu es joli
Imagine uma amálgama entre Jane Birkin, Peaches e Natasha Kijinski em Paris, Texas. O resultado só pode ser um: Yelle. O nome que na realidade é um acrônimo para You enjoy life. E Yelle é como um mito, seu nome representa o que é: A sensação da alegria de viver, a mais perfeita tradução da super usada expressão francesa: Joie de vivre. O equivalente sonoro de Amélie Poulain. Não me importo se os que estão à minha volta digam que é lixo, sei que Yelle e sua música não mudarão o mundo; mas deixam minha jornada de trabalho mais divertida, dão uma disposição extra para correr mais alguns quilômetros, fazem com que me sinta bem. E o que mais posso querer de canções? Tá bom, muito mais coisas.
Mas a jovem Julie Budet me faz sorrir, além de povoar alguns dos meus devaneios com a sua beleza sem par (Que olhos!). A música pop está aí para isso, para nos alegrar, deixar nossos dias menos cinzentos, e nada é cinzento em Yelle, seu videoclips são de um colorido provocante. E músicas com títulos de frases criadas por crianças do Pré, se transformam em canções muito bem arranjadas e bonitas, que eu escuto umas 15 vezes por dia, caso de: Tu es beau (Você é bonito). É claro que daqui alguns dias eu já estarei farto da canção, e passarei um longo tempo sem ouvi-la, pois é uma canção pop bobinha, você esgota-a, suga tudo o que pode dela e de lá não sairá mais nada. Mas eu também já suguei tudo de Blue Train.
Julie Budet não é tão inocente quanto o título da bela canção supracitada pode sugerir, a letra de Je veux te voir, canção que alavancou o sucesso de Yelle no Myspace, traz versos que enrubesceriam Calígula. Há também um bocado de feminismo espalhado pelo álbum Pop-up, o que não tira do disco um frescor muito desejável. Fica então, a vontade de se acabar numa pista de dança ao som de Je veux te voir.
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O que Jens Lekman tem contra o Rio?
domingo, 24 de maio de 2009
"Me gusta estar ao lado del camino"
O ano de 2009 vem trazer a redenção dos discos ao vivo, pelo menos duas pérolas duplas, como Before the Flood, já foram lançadas no mercado brasileiro de discos. Começo pelo velho menestrel canadense, Leonard Cohen, em um grande concerto na cidade de Londres depois de um longo tempo sem subir aos palcos (havia até uma boataria sobre a possível aparição do versador canadense no Tim Festival do ano passado) por ter se refugiado em um mosteiro budista, Cohen parece não ter perdido a forma. O CD-concerto tem quase 3 horas de duração e Cohen mantém o barítono assustador da voz que me causava assombros na infância, por toda a extensão do espetáculo-disco. L. Cohen tem 74 anos de idade e um repertório recheado de clássicos, e o próprio Cohen, antes de anunciar um de seus textos clássicos diz: "Faz um tempão desde minha última aparição em palcos londrinos, foi há 14 ou 15 anos atrás, eu tinha 60 anos, e era apenas um garoto com um sonho maluco. Desde então eu tomei um monte de Prozac, Paxil, Wellbutrin, Efexor, Ritalin, Focalin... eu também estudei um monte de filosofias e religiões e gentilmente continuo procurando. Mas eu quero dizer a vocês apenas uma coisa, que não pode ser contradita facilmente: 'Que não há cura para o amor'. Então a voz de barítono em contraponto com a suavidade do sempre presente coro feminino que o acompanha ataca There ain't no cure for love, é realmente emocionante a interpretação impecável e cheia de emoção de todos sobre o palco, e o som, ao contrário dos discos ao vivo da minha infância é de uma limpidez espelhar.
O ponto alto da apresentação-gravação fica para o final quando Cohen destila o seu "Velho sussurro da morte"* na canção mais pungente e torturada que um canadense já compôs, a minha preferida que é também a do meu pai (acho que a unica preferência que tenho igual a ele, em todos os campos é essa: músicas de L. Cohen) "So long, Marianne" nunca aquele verso: I forget to pray for the angels, and then the angels forget to pray for us foi pronunciado com tanta intensidade quanto sobre aquele palco em londres, por aquele senhor de 74 anos, que sofre de lucidez crônica.
Em outro tempo e espaço, alguns meses antes e na capital do mundo, (como os próprios habitantes da cidade gostam de falar) Madri, o argentino de Rosário, Fito Páez ,também se encontrava diante de uma multidão, só, com seu piano. Quase como o diminuto exercíto da recém fundada pátria israelense diante dos exercítos de 7 países árabes na guerra dos 6 dias. Assim como naquela página da História a minoria venceu a maioria, não com armas, mas com o poder de levar milhares de pessoas ao êxtase e as lágrimas. É comum, o arrogante público brasileiro, taxar a música feita no idioma de Sabato de: brega, passional demais, exagerada... mas em No se si es Baires o Madrid Fito tem a resposta a todo esse sentimento nacional. O terceiro álbum ao vivo de Fito, cujo título, faz um trocadilho com um verso de "Un vestido y un amor", canção que fora composta por Fito Páez, hoje com 46 anos. Quando tinha 29, em 1992. Nela, Fito encapsulou o preciso instante do enamoramento no verso: "Yo no buscaba nadie y te vi". Apaixonar-se é isso. Nada mais, nada menos. Não buscar e achar. Assim como o já citado exercíto, Fito não está assim tão sozinho. No disco, a convidada em "Un vestido y un amor" é a espanhola Gala Évora, cuja interpretação chega perto do flamenco, de tão torturada. Entre outros, Fito recebe ainda o espanhol Joaquín Sabina em "Contigo" e o cubano Pablo Milanés "Yo vengo a ofrecer mi corazón".
"No sé si Baires o Madrid" difere de "Euforia" porque não foi gravado com um orquestra ou para uma rede de TV. Difere do duplo "Mi vida com ellas" porque não pretende homenagear as mulheres da vida de Fito ou foi coletado de diversos shows. Inteiramente registrado na noite de 24 de abril do ano passado, no Palacio de los Congresos, na capital espanhola (ou do mundo), o novo álbum traz quase sempre Fito, só, entrincheirado pelo seu piano.
É assim que ele encara uma composição de 10 anos atrás, "Al lado del camino". No cd "Abre", ela era apenas mais um épico roqueiro, sufocado pelo arranjo elétrico. Aqui, ela refulge como um hino religioso. A certa altura, Fito canta: "si alguna vez me cruzas por la calle/regálame tu beso y no te aflijas/si ves que estoy pensando en otra cosa/no es nada malo, es que pasó una brisa/la brisa de la muerte enamorada/que ronda como un ángel asesino/mas no te asustes siempre se me pasa/es solo la intuición de mi destino". Pode até ser que a arrogância musical (não compartilhada por esse que vos escreve) de um país que seguramente faz das melhores músicas populares existente, condene esse melodrama portenho, mas o sentimento de quem entende o que Fito canta, mesmo que ele cantasse em cantonês; sempre falará mais alto.
Obviamente os dois disco-espetáculos estão disponíveis para download na web, mas se vale uma sugestão de quem já empreendeu algum dinheiro em péssimos investimentos musicais, os dois discos valem ser comprados, são monolitos da boa música, noites incriveis em diferente tempo e espaço condensados em corpo de plástico, aquisições que não tem preço.
*Para maiores detalhes, leiam "Fup" de Jim Dodge.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Vila-Matas
Fui inundado, não pelas chuvas nordestinas, mas pela literatura. E também não por uma literatura qualquer, e sim, pela literatura que se assemelha ao lavor de joalheiro de, Enrique Vila-Matas. Disse que fui inundado pois o que sai dos livros de Vila-Matas toma de assalto qualquer pequeno espaço, qualquer lacuna artistica existente; eu explico. Durante a última semana e meia, não li os jornais, não fui ao cinema, não passei na porta de exposições, me lixava para deputados, e mais ainda para a opinião pública. Se pudesse, deixaria de trabalhar (é, reconheço que isso não seria esforço algum), somente para me afogar ainda mais nas palavras fluídas de Enrique Vila-Matas.
Comecei despretensioso com um livro emprestado por uma amiga: Bartleby e companhia, que segundo a mesma, era um livro viciante, que eu carregaria para todo lugar. "E ah, Thiago, tome cuidado para não perdê-lo", foram suas últimas palavras depois de deixar em minhas mãos a edição caprichada, da sempre esmerada Cosac & Naify. Duas noites depois, fui acordado por uma ligação dessa amiga, querendo saber o que estava achando, interessada em uma posição sobre minhas primeiras impressões da literatura Vila-Matense. Notei um desanimo fugidio em sua voz, depois da resposta pouco entusiasmada: Porra, eu tinha acordado naquele instante, não dava para dar gritinhos à BBB. Mal ela sabia que dormia com o livro sobre o peito e o indicador entre duas páginas marcando o meu progresso.
Se os leitores notam algo de familiar no título do romance de Enrique, talvez seja porque o tal Bartleby é um personagem de um livrinho menor do autor de Moby Dick. A mesma amiga me emprestara em época muito perigosa as desventuras do funcionário inoperante que fora Bartleby, gostei do livrinho na época, ainda mais por poder dizer que já havia lido Melville sem ter precisado enfrentar as toneladas de Moby Dick. Mas Vila-Matas eleva a criação de Herman ao patamar da mais alta e moderna literatura pintando um mosaico de impressões sobre literatura e realidade impactante e comovente. O livro é uma declaração de amor a literatura e ao ato de escrever, belíssimo. Saí da leitura do romance com muita vontade de ler outro Vila-Matas era realmente uma dependência, tanto que fui até a livraria e não fiquei a esperar o correio com a caixinha do livro encomendado pela internet, que é a maneira que costumo comprar livros. Fui a livraria e adquiri: A viagem vertical.
A essa altura já estava com a felicidade que somente um banho de chuva de verão na infância conseguia me provocar. A leitura é muito estimulante, tanto pelas remissões literárias, quanto pelas sacadas ironicas e divertidíssimas. E eu ainda não tinha nem saído da livraria. Na realidade, toda essa alegria se dava por encontrar elementos familiares na obra do catalão, como o próprio banho de chuva que o protagonista -- Mayol -- de A viagem vertical toma sem ao menos se preocupar; a preguiça de ir ao cinema, viagens, Lisboa, Açores, Barcelona, Walter Benjamin, Fernando Pessoa, a bebida (e a distância dela). Todos os ingredientes da sua obra me cativam, e ainda são abordados de uma maneira magistral, do jeito que eu faria, se fosse mais inteligente e tivesse talento. Estou aprendendo espanhol para poder ler tudo que Vila-Matas escreveu sem precisar ficar à mercê da Cosac & Naify ou das tenebrosas traduções portuguesas.
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Myron Christian, foco cosmopolita
Myron Christian, fotógrafo de arte e moda, natural de Serra Leoa realiza sua primeira exposição individual, intitulada " À procura do sagrado", no Centro Cultural Justiça Federal. Christian tem verdadeira paixão por variados segmentos artísticos, além de muito interesse por diversos gêneros culturais.
Desde muito cedo, Myron transita pelo mundo: chegou a morar na Venezuela e na Inglaterra; completou seus estudos em fotografia e fixou-se em Nova York, onde trabalhou como assistente de Mario Testino, Vincent Peters, Mert Alas & Marcus Pigott, Phil Pynter e Enrique Badulescu.
Voltando, o fascínio pela arte e as diferentes culturas foram os fatores que motivaram Myron a prosseguir com suas viagens, captando o universo dos habitantes de nações que sofrem a miséria, mas sem ser panfletário.
"Uma questão importante em seu trabalho é a espiritualidade, presente através de imagens que remetem a conceitos desvalorizados pelo homem moderno, como a integração com o meio ambiente e a religião", afirma Sharon Battat, curadora.
O olhar de Myron Christian é atento à modernidade sem abandonar as questões humanas essenciais. Além da intensidade de seus registros, existe inocência e um forte impacto: o resultado é proveniente de sua visão peculiar do universo. "Sua arte é poderosa e intrigante", encerra Sharon.
SERVIÇO:
Exposição: Até o dia 14.06.09
Visitação: de terça a domingo, das 12h às 19h
Endereço: Av. Rio Branco, 241 | Centro | Rio de Janeiro| RJ
|21|3261-2550| www.ccjf.trf2.gov.br
Entrada gratuita
quarta-feira, 13 de maio de 2009
"A esperança é o pior dos venenos..."
Sabe aqueles títulos que rondam a sua cabeça por muito tempo, aqueles, que todo mundo comenta, que lê críticas exaltadas sobre o mesmo (para o bem ou para o mal); que pessoas que considera com gostos significantes colocam em suas listas de preferidos, e nos seus discursos? Pode ser o título de uma canção, um disco, filme, tela de Klee... então, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (Companhia das Letras, 2005) sempre foi um título a me rondar, baita título por sinal, que curiosidade consegue permanecer inativa diante da frase: "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios"?
Marçal Aquino não era um total desconhecido para mim, antes de ser contagiado pelo seu título, sabia da sua existência desde a época do "Laboratório de roteiros Sundance/Riofilmes", em 2002, quando eu ainda me interessava por esse tipo de coisa, e do filme "O invasor" (aquele mesmo com o Titã, ou seria ex-Titã, Paulo Miklos, vá saber?) e ainda me lembrava dele de algumas reportagens do Estadão, reportagens que mais chamavam atenção pelo seu nome que pelo conteúdo.
No livro de título chamativo, Marçal Aquino revela um talento desconhecido dos meus tempos de futuro aspirante a roterista de cinema, escreve um romance magistralmente conduzido por um narrador-protagonista com quem de cara me identifiquei. Cauby (é, igual ao cantor) é um herói e tanto, extremamente bem contruído e com certeza com um bocado de traços biográficos de Marçal. Eu receberia... é uma estória de amor que cativa a qualquer um que já tenha provado o gosto de uma experiência de um amor complicado na vida.
Em uma cidade-nada do interior do Pará, que deve a sua pequna população a sede de um garimpo disputado entre garimpeiros vindos dos mais diversos rincões do país e por uma grande mineradora, Cauby, fotográfo profissional, procura pelos takes mais despudorados e belos das damas que animam a turma que caça pepitas. A rotina de Cauby, que consistia em trabalho noturno na zona e seu laborátorio caseiro e cama durante o dia, é bruscamente interrompida quando conhece Lavínia, fotógrafa amadora e ex-batedora de calçadas da capital capixaba. Lavínia nasceu em um berço espinhoso, caótica, torturada e tortuosa: esquizofrênica. Que só para complicar ainda um pouco mais a situação, é esposa de um famoso pastor. O que apoia Cauby é um manual escrito por um psicanalista chamado Benjamim Schianberg (entidade onisciente que faria o maior sucesso naquele grupo, "A Letra freudiana").
O estilo de Aquino é bastante conservador, o que não é nenhum demérito, talvez qualquer tipo de malabrismo estilístico pudesse comprometer o efeito profundamente comovente guardado nas duzentas e poucas páginas desse romance terno e total. Altamente recomendado.
O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdôo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta. Isso eu poderia ter dito a ela. Mas não disse.
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Escolha do crítico! Um álbum novo brilhante (People Magazine)
Sua grande realização, seu 33º álbum de estúdio, sua grande habilidade em jogar para longe as expectativas que já eram grandiosas em torno de um novo disco, para montar a sequência de canções mais quentes e espontâneas dos últimos tempos (The Times)
É um trabalho poderosamente autoral de um homem que insiste em pensar por si mesmo numa época de medo, conformidade, e desumanização. Não importa o que andam dizendo, esse já é um dos melhores de 2009 (Mojo)
Não se pode dizer que o velho Zimmermann já tenha encerrado suas atividades nessa década, afinal de contas, ele anda surpreendendo. Mas o que pode-se dizer, é que tudo produzido pelo velho nesses últimos 9 anos foi impecável. Afastou de vez o estigma dos 80 e 90, quando até mesmo eu duvidava que "o cara"(já que tá na moda, ele mais do que ninguém merece o título) pudesse fazer algo que prestasse. Em ordem de preferência: Together Through Life (2009), Modern Times (2006), Love and Theft (2001) e Tell Tale Signs (2008) são obras impecáveis. Deu para notar que o mais recente é o preferido, portanto, se ainda não teve contato com petardos como: Beyond Here Lies Nothin', Jolene e Shake Shake Mamma, perdes tempo.
domingo, 3 de maio de 2009
Paisagens, lembranças e a chegada
Tanto um singelo bonequinho de chumbo encontrado dentro do piano, quanto o livro “A história universal da infâmia”, de Jorge Luis Borges - primeira edição, autografada e depois carinhosamente doada a um visitante - constituem a arquitetura de um lar onde tempo e espaço agonizam.
É difícil não remeter aos filmes de Ingmar Bergman, como por exemplo, Morangos Silvestres, onde um professor é atormentado por fantasmas e as torturas oníricas metaforicamente estabelecem um embate existencial. A análise pode ter como parâmetro Gritos e sussurros, também do diretor sueco: o claustro é deveras predominante.
Em determinado momento, o escritor contempla o campo da janela de seu quarto e parece convocado por aquela esfera bucólica. Mesmo muito enfermo, ergue-se do leito e aceita “o convite”: o estímulo parece ser pela chegada do filho, ou o ímpeto pela realização de um dos seus desejos finais.
Por outra analogia as teclas, ponteiros, badaladas e elementos orgânicos parecem anunciar a chegada de uma visitante mais temerosa..
sexta-feira, 1 de maio de 2009
En Hand I Himlen
Não sei qual substância andam adicionando à água nos reservatórios de Gotemburgo, Estocolmo, Helsingborg... só sei que falar sobre música pop atualmente sem render tributos ao lar de Bergman, é empobrecer o debate. Poderia gastar toda uma tarde citando exemplos de uma cena de criatividade e qualidade só notadas, nos EUA, do fim dos anos 60 e na Inglaterra no fim dos 70 e início dos 80. Não é exagero, a cada vez que procuro novidades musicais sempre encontro um representante do país que outrora foi a vanguarda da pornografia.
Do olho do furacão surge o nome de Jonathan Johansson, cujo o primeiro disco começa por uma das melhores faixas de abertura, de discos de estréia da história da música pop. Sei o quanto é traiçoeiro e bobo essa coisa de "melhor da história, "melhor de todos os tempos", mas eu tinha falado de entusiasmo, de excitação, e quem é que não fica bobo, diante do entusiasmo? "En Hand I Himlen" (algo como "uma mão no céu") é um hit em potencial, daquelas canções que se tocassem nas rádios seria assoviada por taxistas ociosos, enquanto reforçam o polimento de suas viaturas. Apesar de todo o impacto causado pela qualidade da canção inicial, todo o disco -- que, na capa, traz uma foto em close-up do rosto ossudo do artista, lembrando até a morte do filme "O sétimo selo" -- impressiona. Há surpresas insólitas como a versão, em sueco, para o hit "Everybody wants to rule the world" do Tears For Fears. É, todas as canções são cantadas no idioma de Strindberg, mas não se assustem, embora não dê para entender uma só palavra, é uma lingua melódica e amistosa. O que não me faltou, foram sorrisinhos de felicidade incontida durante toda a execução do disco. Já é com certeza o melhor álbum de 2009. Adoraria não ter de dizer o mesmo em dezembro, pois não há nada melhor que essa excitação. Baixem djá!
Video de "En Hand I Himlen" com belas locações de Estocolmo, Lisboa, Roma e Pamplona.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Amor, redenção e arte
Em Desonra, J.M Coetzee apresenta um límpido domínio de narrativa. Sua prosa trilha caminhos pelas situações mais díspares. A clareza do texto enaltece o escritor da Cidade do Cabo (África do Sul) por sua precisão descritiva.
David Lurie, Professor de poesia procura não abater-se pela falta de interesse dos alunos em suas aulas. Erudito, 52 anos, passou pelo divórcio duas vezes e costuma encontrar-se com Soraya, uma prostituta bastante jovem e - ironicamente - muito moralista.
A verve passional acaba inclinando Lurie para um - digamos – ‘inquérito administrativo’. Logo, o adorador do poeta inglês William Wordsworth é obrigado a afastar-se da universidade onde leciona. Vítima do moralismo acadêmico, o intelectual exila-se na casa de sua filha na fazenda.
Refugiado, nesse período o intelectual tenta abstrair o tédio com uma série de afazeres voltados (também) para a vida campestre. O resgate por meio da arte, ocorre efetivamente quando Lurie volta à sua cidade de origem; após todo um fluxo de acontecimentos e "acúmulos psicológicos" procura realizar seu projeto sempre procrastinado: escrever uma ópera sobre Lord Byron.
Desonra demonstra os percalços e a urgência por elevação, onde uma existência foi gradativamente reduzida (a identidade de David Lurie foi posta em questão, diga-se) até o "massacre de uma alma". Em diversos sentidos, leis e armadilhas foram estabelecidas justamente contra as intensidades do erudito, que preferiu pagar com a própria degradação.
E, no entanto, não podemos viver nossas vidas cotidianas no reino das ideias puras, isolados da experiência sensorial. A questão não é: como posso manter a imaginação pura, protegida dos ataques da realidade? A questão tem de ser: é possível encontrar um jeito de fazer as duas coexistirem?
Fica a questão.
terça-feira, 28 de abril de 2009
As brasas
Nós brasileiros, vivenciamos um momento delicado. E histórico. Recentemente o nosso chanceler, Celso Amorim esteve em Teerã para ampliar os laços entre Irã e Brasil, e aproveitando a estadia, convidou o presidente Mahmoud Ahmadinejad a visitar o Brasil.
É fato que o Brasil tem interesses econômicos em relação a esta nação. Mas será que vale tudo por dinheiro? Vendem-se príncipios? Como ficam estas palavras do presidente Lula diante do revisionismo de Ahmadinejad, de suas conferências de negação ao Holocausto, concurso de charges minimizando o mesmo e até exposição de fotos sobre o assunto?
Mas quem dera os crimes cometidos pelo governo iraniano se limitassem a isso. Pois diariamente do seu púlpito, o presidente deste país faz ameaças a Israel. Ameaças de genocidio. Vale a pena ressaltar duas das mais contundentes:
No domingo, 3 de junho de 2007, em uma cerimônia comemorando o 18º. aniversário da morte do Ayatolá Khomeini, ele declarou: “A contagem regressiva para a destruição do regime sionista começou nas mãos das crianças do Hizbullah”. E acrescentou: “Se D-us quiser, em um futuro próximo nós testemunharemos a destruição desse regime, graças às realizações de todos os combatentes palestinos e libaneses”.
Ou então no dia dois de junho de 2008, conforme noticia a Folha Online: "O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, disse nesta segunda-feira que Israel irá "desaparecer em breve" e que o "poder satânico dos EUA" será destruído, em discurso em homenagem ao 19º aniversário de morte do líder revolucionário iraniano, aiatolá Ruhollah Khomeini, segundo informações da agência oficial Irna".
E o presidente iraniano não perde tempo. Mesmo com sanções internacionais (apesar de ineficazes até agora, elas existem) ele corre atrás do tempo, enriquecendo urânio, em busca da arma nuclear, para poder dispará-la contra Israel. Prova deste fato foi a notícia divulgada durante esta semana pela agência EFE (12/04) de que o Irã testou novos mísseis de longo alcance capazes de atingir Israel:
"O Irã realizou hoje testes com um novo míssil terra-terra de longo alcance desenvolvido e fabricado por especialistas das Forças Armadas iranianas, informaram hoje fontes oficiais.
O novo míssil Sejil tem um alcance de cerca de 2 mil quilômetros, usa combustível sólido combinado e conta com uma "alta velocidade de lançamento", disse o ministro da Defesa iraniano, general Mostafa Mohammad Najjar, informaram agências de notícias locais e a televisão iraniana".
Mais além: sabidamente o eixo Irã-Síria, é o grande financiador e apoiador dos grupos terroristas Hamas e Hizbullah que são fonte de boa parte dos conflitos na região. Se o Brasil aspira mesmo a contribuir para a paz na região, e a um assento no conselho de segurança na ONU deveria repudiar tais atos e não legitimá-los.
O Irã também é acusado formalmente pela Argentina pelo atentado à AMIA – Associação Mutual Israelita Argentina, e à Embaixada de Israel que deixou centenas de mortos e feridos.
Uma das primeiras vozes corajosas a se manifestar contra tal estado de coisas foi do deputado Federal Marcelo Itagiba (PMDB/RJ), que entre outras coisas lembrou a participação do chanceler Oswaldo Aranha, dando seu parecer e voto favorável a partilha na Assembléia da ONU em 1947, ajudando a viabilizar e criar o moderno Estado de Israel, coisa que Ahmadinejad - este que foi visitado pelo atual chanceler, Celso Amorim e será recebido de tapete vermelho em Brasília - quer destruir.
Quase inacreditavelmente - pelo menos do meu ponto de vista o Ministro Interino das Relações Exteriores, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, respondeu da seguinte maneira:
"Nós não prejulgamos os regimes políticos de outros países. Assim como queremos não que o nosso regime seja julgado. Não nos interessa saber se é um regime parlamentar, presidencial; mais ou menos democrático. Nas Relações Internacionais nós respeitamos um princípio da Constituição, que fala da autodeterminação dos povos. Então, nós o respeitamos. Podemos até ter opiniões diferentes, e não interferimos. Achamos extremamente perigoso para a estabilidade internacional quando países não seguem esse princípio, de forma mais correta".
Em outras palavras, pouco importa se um país é ditatorial ou não, se oprime sua população ou não, se viola os direitos humanos ou não. Mantemos relações comerciais com ele e vamos seguir mantendo. Justamente a autodeterminação do povo judeu em sua terra ancestral, que o Brasil apoiou é aquela que o Irã quer agora subverter!
***
Chico Buarque, da ocasião do lançamento de seu romance "Budapeste" declarara que jamais havia pisado sobre o solo da capital magiar. Talvez o nosso compositor e autor tenha se inspirado em Sándor Márai, autor húngaro, que mesmo sem ter aportado por essas bandas escrevera sobre um arraial famoso em nossas terras. Mas influenciar filho de sociólogo está longe de ser dos maiores feitos de Sándor Márai.
"As brasas" (Cia das Letras, 1999) é seu romance mais comentado, também pudera, poucas vezes me deparei com texto de fluidez análoga, talvez a incansável busca do autor pelo essencial seja o trunfo de prosa tão agradável e rica (e essa sensação ainda permanece mesmo se tratando de uma tradução da edição italiana da obra, e não diretamente do original). O romance é quase completamente constituído pelo solílóquio de Henrik, um velho general do Império Austro-Húngaro, que nos tempos de meninice, contraí uma sólida amizade com um colega de escola militar, Karol. Os dois crescem juntos, aprendem a viver juntos, mas é inegável que são feitos de matérias distintas. E em algum momento, já na maturidade, algo acontece, e os dois amigos separam-se, Karol deixa Henrik sem muitas explicações, mas deixando muitas pulgas atrás da orelha do amigo fiel(Ha!).
41 anos se passam, e Karol retorna para acertar as contas com o amigo, para dizer o essencial sobre aquele "algo" acontecido. É somente entre esses personagens que gira o romance, com algumas participações femininas, claro, mas somente a esses dois é dado o direito da ação, outros personagens só pajeam os protagonistas, ou são espectros de suas memórias. Rancor, vinçança, honra, amizade, lealdade são os motes do romance, a obstinação humana, a condição de via-crúcis e não de crucificação de nossa natureza é muito bem explorada nesse romance em que nada é supérfluo. E além de tudo que esse pequeno romance pode nos trazer, fica a adorável sensação de se ter lido um romance clássico com a fluidez e agilidade dos melhores contos calvinianos.
"Como você sabe, de bom grado sacrificamos aos deuses uma parcela da felicidade, pois eles são invejosos e, quando dão a um comum mortal o presente de um ano de felicidade, pode-se ter certeza que anotarão imediatamente esse débito para depois lhe exigir o reembolso, no final da vida, praticando taxas de agiotas."
sexta-feira, 24 de abril de 2009
"I celebrate myself"
Com essa frase pequenina, Walt Whitman, dá início a sua gigantesca obra que é: "Leaves of grass". E o que não é um blog, que não uma celebração de Si mesmo? Um uníssono em primeira pessoa, sendo repetido nos blogspots, bloggers e wordpresses da vida. Não ache que aqui será diferente, não teremos outros assuntos (eu e meu comparsa) além de nós mesmos, ou de nossas experiências musicais, nossas leituras. Voltando ao Whitman, ele demonstra um lado blogueiro vivaz, inicia sua primeira edição da obra com um poema chamado "Song of myself" que define toda a verve umbiguista do proto-blogueiro que foi Whitman.
"I celebrate myself,
And what I assume you shall assume,
For every atom belonging to me as good belong to you.
I loafe and invite my soul,
I lean and loafe at my ease . . . . observing a spear of summer grass."
"Eu celebro a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você.
Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade . . . . observando uma lâmina de grama do verão."
O que mais me impressiona na obra de Whitman, além de ele ter uma quedinha pela vadiagem e ser totalmente auto-suficiente, é sua vocação iconoclasta. Os leitores que primeiro se depararam com a edição inicial de Leaves... se perguntavam: Seria prosa? Poesia? Diziam até que que o livro não trazia o nome do autor nem na capa nem nas páginas de apresentação. A assinatura autoral só aparecia no meio do poema de abertura, já na página 28: "Walt Whitman, um grosso, um cosmo". Quem era o autor, afinal?
Um jornalista e carpinteiro nova-iorquino de 36 anos, olhos azuis, já conhecido no meio, com fama de preguiçoso, e que preferia a companhia de gente do povo a intelectuais, totalmente fora dos círculos literários da época. Alguém que, antes de 1855, havia publicado alguns editoriais contundentes, resenhas, poemas, mas nada mais consistente. Um arrimo de uma família pobre e problemática do Brooklyn, que quase não frequentou a escola, se auto-educando na universidade das ruas, praias, antros, bibliotecas públicas, teatros, óperas e jornais de Nova York.
Ainda preso a ídolos da adolescência, me custava acreditar que Leaves tivesse realmente sido um antecessor de Illuminations de Rimbaud, não que isso tire o gênio do poeta adolescente, mas deixa o leitor aqui, se perguntando: Porquoi je ne pas pense a çà avant?. Ele também foi publicado dois anos antes de Fleur du mal, o que confere a Whitman o status máximo da vanguarda poética. Além de todas as qualidades, os versos de Whitman, falam --em um exercício extremo da metalinguistica-- sobre a revolução, revolucionando.