sábado, 13 de junho de 2009

La science des reves


Assim como Holden Caulfield, - sinto-me um rebelde em poder ter alguma coisa em comum com ele - não gosto de cinema. Ao menos sei avaliar as interpretações, não sei distinguir um ator genial de um bom ator (acho até que tal distinção não existe). Mas obviamente sei quando está em cena um mau ator, pois um mau ator pode estragar qualquer bom texto. Sou incapaz de me encantar pela técnica de qualquer cineasta que seja, embora já tenha sido profundamente tocado por alguns filmes. Quando digo não gostar de cinema, é na realidade, não colocar a arte (ou seria ciência?) cinematográfica no mesmo patamar da música ou da literatura. Até porque o cinema tem que comer muito feijão com arroz para chegar lá, até mesmo cronologicamente.

Como na estória dos milionários californianos que chamaram os maiores especialistas em vinho da França, para projetarem as vinícolas californianas à imagem e semelhança das melhores vinícolas francesas. Os especialistas assim fizeram, então um dos endinheirados da Califórnia questionou: temos vinhos tão bons quanto os franceses? E o francês retrucou: É, só precisa esperar uns 200 anos. (Há um bocado de retórica nessa estorieta, ok, amantes dos vinhos?).

Em uma avaliação pessoal, estão no mesmo grau de importância o cinema e o futebol. (que claramente é um esporte, embora exista inegavelmente um tanto de arte) Durante algum tempo consigo vencer a preguiça e vou muito ao cinema, os títulos parecem me interessar e estou sempre no escuro das salas cariocas, mas é sazonal, não consigo vencer sempre a preguiça, ainda que nos jornais me depare com filmes que despertem meu interesse.

Não lembro a última vez que fui ao cinema, mas o último filme assisti há poucas horas, e me deixou realmente feliz, como as canções de Yelle. La science des reves, é um filme de Michel Gondry, de 2006, o que me faz sentir arrependimento por ser preguiçoso e não ter assistido antes. Trata-se de uma divertidíssima estória, cujo centro é Stéphane Miroux (Gael Garcia Bernal) um desenhista mexicano, de mãe francesa, a quem vai visitar após a morte do pai. Stéphane sempre confundiu a vida real com os sonhos, ou sempre achou mais fácil aceitar os sonhos em vez de se deparar com a realidade. Apaixona-se pela vizinha Stéphanie (Charlotte Gainsbourg, esbanjando charme) mas tem muita dificuldade em assumir verdadeiramente a paixão, então usa de estratagemas oníricos para conseguir tomar coragem e aproximar-se de Stéphanie.

Consegue um emprego enfadonho, com colegas bizarros, que também só consegue encarar se enchendo de uma carga extra de sonhos que invadem a realidade. O filme é cheio de momentos hilários, onde o gênio de Gondry se faz presente. A óbvia atmosfera videoclipica do filme dá o tom dos sonhos e devaneios de Stephanie. Diálogos cheios de provocação e obscenidades também dão um coloração menos ingênua ao mundo de fantasias gondryano. A variação entre 3 idiomas cria uma sensação de estranheza ainda maior à falta de linearidade da película. Evitaria qualquer comparação à Eternal sunshine of spotless mind, mas inevitável que é... não acho que seja uma produção superior, mas um Eternal sunshine com leveza, como a dos pedaços de algodão que se mantém suspensos se tocarmos o acorde certo.

Se os leitores cinéfilos (ou não) dão crédito à alguém que diz não gostar de cinema, fica a dica, de pouco mais de uma hora e meia de diversão e beleza. E ah, hoje vou apoiar o Fogão, rumo a primeira vitória no campeonato.

6 comentários:

  1. Só é uma pena que uma pessoa que parece ser tão inteligente seja torcedor de um time não muito glorioso como o meu [risos - brincadeira]. Concordo que existem artes mais "construtivas" que propriamente o cinema em si. Mesmo porque, certos filmes nada mais são do que meras cópias - que por sinal mal feitas - de grandes obras literárias (ou não). Outros não tem nem contexto para prender a atenção de "críticos", como eu ou você, por exemplo, que não estão ligados a beleza ou conteúdo artísticos, mas sim ao que passe realmente algo de interessante. Caso meu comentário não seja lá interessante (porque não costumo ler o que escrevo), estou aberta a sugestões.

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  2. Como quase filhos de Salinger, nós dois somos o avesso desse nowadays. Contemporâneos que garimpam lá de trás a coisa em si, porque foi justamente lá que essa "coisa em si" revelou a essência de tantas outras coisas que vieram depois.
    Como Caulfield e vc, também não gosto de cinema. E reconhecendo, muitas vezes, a falta de brilho que se traduz em nenhuma expectativa... Eu prefiro evitar a fadiga.
    Graças aos céus, apesar da indolência que nos é peculiar, não resistimos ao que de fato seja bom. E no meio de tanta afinidade, uma descordância: teu Botafogo e meu Flamengo! hehehe Foi por isso que me largaste, então?

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  3. eu adoro cinema, nao gosto da Yelle, sou flamenguista e gosto do seu jeito de escrever. Muito bom Mr. Gonçalves!

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  4. o filme é muito bacana, bem descrito aqui. mas tenho duas coisas sérias: 1 - ha-ha-ha que tu não gosta de cinema. 2 - af, "Fogão"? - perdeu 12 mil pontos futebolisticos por torcer pelo Botafogo!

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  5. Post bem interessante! Fiquei curiosa para ver o filme.

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