terça-feira, 6 de outubro de 2009

Fado de dois lustros


Tenho uma forte lembrança da infância, de quando ia à casa da minha avó materna e era entupido com quitutes e música lusitana. Sempre foram duas das minhas paixões a gastronomia e a música. Posso sentir o gostinho dos pastéis de Santa Clara só em rememorar aquelas manhãs de domingo. Apesar de ser uma criança gulosa, o clímax dessas visitas era o aparelho de som muito arcaico que minha avó conservava, e ainda conserva, como objeto de decoração por contar com raras visitas do neto melômano. O antigo aparelho, era um móvel que tomava destacada posição na bem decorada sala de estar da antiga casa da vovó, os meus ouvidos sensíves se espantavam com o barulho que aquelas caixas de mogno podiam provocar. E havia uma estratégia para alcançar um som mais grave e potente: enfiava metade do meu pequeno corpo em um orifício no centro do "móvel" e de lá ouvia os clássicos e alguma música popular brasileira e também portuguesa.

Essa nostalgia toda não é fortuita, ou gratuita, o dia 6 de outubro traz de volta um pouco do menino que entrava no buraco do aparelho de som da avó. Há dez anos exatos morria a maior intérprete de além-mar, a voz que adorava ouvir seguro, dentro daquele buraco, onde no auge da minha infância podia me proteger de toda a sorte de desventuras e infortunios que vinham a reboque daquela bela voz, além do abrigo físico havia a inocência infantil. Para a criança, era até engraçado ouvir a maneira com que ela pronunciava as palavras conhecidas de uma maneira totalmente diversa do que meus pais, irmãos e amiguinhos falavam. Não entendia a tristeza do fado, que só depois de alguns anos viria me atingir.

E foi no dia 6 de outubro de 1999 que aos 16 anos, com os ouvidos já bastante detonados pelos Heavy-metals e Hardcores que escutava naqueles tempos recebi do meu pai a notícia da morte de Amália Rodrigues, foi o dia que entendi a tristeza plácida do Fado. Foi como se uma tia que fora muito próxima na infância, mas que depois houvesse se distanciado, morresse. Lembro da maneira que "Estranha forma de vida" ecoava na minha cabeça, e lembro também que chorei pela tia. Ouvir a voz de Amália é prestar tributo a beleza de ser lusófono, e sobretudo, um deleite maior que o dos pastéis de Santa Clara.

Para passar uma impressão menos triste nesse post, deixo uma indicação da nova(velha) música portuguesa, o jovem Antonio Zambujo, que faz releituras dos "standards" do fado e algumas novas composições com uma bela voz, vale a audição.

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