terça-feira, 23 de junho de 2009
A viagem dos arcanjos
No belíssimo e singelo filme Le Voyage du Ballon Rouge, o diretor chinês Hou Hsiao-Hsien preocupa-se em evidenciar e proporcionar maiores tonalidades aos rastros: um misterioso balão vermelho acompanha o menino Simon, por Paris. Sutil e delicado, funciona perfeitamente como um inefável anjo protetor.
Foi exatamente com a mesma inteligência celestial, que Cees Nooteboom escreveu o "Paraíso perdido".
Através de labirintos e caminhos metalinguísticos, o genial holandês intensifica a projeção para os laços. Afinal, se "coincidência foi a palavra escolhida por Deus para não assinar embaixo", segundo Baby Consuelo, outrora em uma entrevista, neste livro (traduzido por Cristiano Zwiesele, lançado pela Companhia das Letras), o acaso proporciona o encontro entre os viajantes. Aqui, é digno enfatizar a ambiguidade do termo.
Alma, uma sensível jovem brasileira é vítima de estupro, em São Paulo. Afim de abstrair o trauma, viaja para Austrália com Almut, que mesmo bastante diferente quanto aos objetivos e olhar para a vida, é a sua melhor amiga.
Enquanto Alma apresenta inclinações para o olhar interior e a espiritualidade, Almut está preocupada apenas em se divertir. Por exemplo, ao comentar sobre uma obra de Bottticelli, Alma divaga:
"O efeito mágico do original me deixa atarantada de uma maneira que eu não saberia descrever".
Logo após mencionar outra comparação, Almut - irônica - utiliza a expressão "Histeria silenciosa".
Paralelo, está Erik Zondag, que apresenta problemas com o álcool; até que segue rumo aos Alpes austríacos, para cuidar da saúde. Durante o período de tratamento rigoroso, o crítico literário - entregue ao acaso -, também está acompanhado.
Isso, mesmo sem saber ao certo "em que disposição de espírito se encontrava quando embarcou no trem com destino à Áustria (...); sabia apenas que estava indo submeter-se ao tratamento que seu amigo Arnold Pessers lhe havia recomendado".
Nesta obra, pessoas e acontecimentos podem ser - aparentemente - distintos, mas ao mesmo tempo é estabelecida a confluência. Alma e Erik apresentam experiências de vida muito semelhantes: ambos passam por atribulações e realmente é necessário um amparo angelical - até, no sentido metafórico.
Fino e intenso, Cees Nooteboom habilidosamente - modela o onírico. De forma doce, muito preciso, faz soar pela trombeta literária, as diversas sintonias deixadas pela aura. No tempo e espaço.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
muito sensível, seu texto
ResponderExcluirMr. Buko... para quem não gosta "tanto assim" de cinema... você sabe mesmo como fazer seus leitores viajarem com você.
ResponderExcluirParabéns!