Desde que era um garoto que jogava bola, tenho uma relação de afastamento de gravações ao vivo, pensava: "ou é gravado ou ao vivo, não dá para ser ambos ao mesmo tempo". Minha paixão pelo Dylan, é muito antiga, e lembro quando comprei cheio de esperanças e com as economias de duas semanas sem merenda escolar, o duplo: Before the flood, de Dylan, acompanhado pela The Band, apesar de ali encontrar todas as canções que sempre desejei ver reunidas, a decepção foi total, até achava que algo errado se passava com a agulha, ou as caixas de som do meu "3 em 1". O barulho da platéia se fazia mais alto que a guitarra de Robbie Robertson, os gritinhos de fãs histéricas eram mais agudos que a até então lancinante harmonica do cantor judeu. Depois dessa decepção com aquele vultoso investimento no vinil duplo de Dylan, ainda voltei a cometer erros com gravações ao vivo, mas nesses tempos meu gosto musical já era um erro, comprei (é, preciso confessar) um CD ao vivo da banda de metal alemã, Blind Guardian, até meu ouvido fascinado com a barulheira e falta de sentido do Heavy Metal sabia que havia algo de errado ali.
O ano de 2009 vem trazer a redenção dos discos ao vivo, pelo menos duas pérolas duplas, como Before the Flood, já foram lançadas no mercado brasileiro de discos. Começo pelo velho menestrel canadense, Leonard Cohen, em um grande concerto na cidade de Londres depois de um longo tempo sem subir aos palcos (havia até uma boataria sobre a possível aparição do versador canadense no Tim Festival do ano passado) por ter se refugiado em um mosteiro budista, Cohen parece não ter perdido a forma. O CD-concerto tem quase 3 horas de duração e Cohen mantém o barítono assustador da voz que me causava assombros na infância, por toda a extensão do espetáculo-disco. L. Cohen tem 74 anos de idade e um repertório recheado de clássicos, e o próprio Cohen, antes de anunciar um de seus textos clássicos diz: "Faz um tempão desde minha última aparição em palcos londrinos, foi há 14 ou 15 anos atrás, eu tinha 60 anos, e era apenas um garoto com um sonho maluco. Desde então eu tomei um monte de Prozac, Paxil, Wellbutrin, Efexor, Ritalin, Focalin... eu também estudei um monte de filosofias e religiões e gentilmente continuo procurando. Mas eu quero dizer a vocês apenas uma coisa, que não pode ser contradita facilmente: 'Que não há cura para o amor'. Então a voz de barítono em contraponto com a suavidade do sempre presente coro feminino que o acompanha ataca There ain't no cure for love, é realmente emocionante a interpretação impecável e cheia de emoção de todos sobre o palco, e o som, ao contrário dos discos ao vivo da minha infância é de uma limpidez espelhar.
O ponto alto da apresentação-gravação fica para o final quando Cohen destila o seu "Velho sussurro da morte"* na canção mais pungente e torturada que um canadense já compôs, a minha preferida que é também a do meu pai (acho que a unica preferência que tenho igual a ele, em todos os campos é essa: músicas de L. Cohen) "So long, Marianne" nunca aquele verso: I forget to pray for the angels, and then the angels forget to pray for us foi pronunciado com tanta intensidade quanto sobre aquele palco em londres, por aquele senhor de 74 anos, que sofre de lucidez crônica.
Em outro tempo e espaço, alguns meses antes e na capital do mundo, (como os próprios habitantes da cidade gostam de falar) Madri, o argentino de Rosário, Fito Páez ,também se encontrava diante de uma multidão, só, com seu piano. Quase como o diminuto exercíto da recém fundada pátria israelense diante dos exercítos de 7 países árabes na guerra dos 6 dias. Assim como naquela página da História a minoria venceu a maioria, não com armas, mas com o poder de levar milhares de pessoas ao êxtase e as lágrimas. É comum, o arrogante público brasileiro, taxar a música feita no idioma de Sabato de: brega, passional demais, exagerada... mas em No se si es Baires o Madrid Fito tem a resposta a todo esse sentimento nacional. O terceiro álbum ao vivo de Fito, cujo título, faz um trocadilho com um verso de "Un vestido y un amor", canção que fora composta por Fito Páez, hoje com 46 anos. Quando tinha 29, em 1992. Nela, Fito encapsulou o preciso instante do enamoramento no verso: "Yo no buscaba nadie y te vi". Apaixonar-se é isso. Nada mais, nada menos. Não buscar e achar. Assim como o já citado exercíto, Fito não está assim tão sozinho. No disco, a convidada em "Un vestido y un amor" é a espanhola Gala Évora, cuja interpretação chega perto do flamenco, de tão torturada. Entre outros, Fito recebe ainda o espanhol Joaquín Sabina em "Contigo" e o cubano Pablo Milanés "Yo vengo a ofrecer mi corazón".
"No sé si Baires o Madrid" difere de "Euforia" porque não foi gravado com um orquestra ou para uma rede de TV. Difere do duplo "Mi vida com ellas" porque não pretende homenagear as mulheres da vida de Fito ou foi coletado de diversos shows. Inteiramente registrado na noite de 24 de abril do ano passado, no Palacio de los Congresos, na capital espanhola (ou do mundo), o novo álbum traz quase sempre Fito, só, entrincheirado pelo seu piano.
É assim que ele encara uma composição de 10 anos atrás, "Al lado del camino". No cd "Abre", ela era apenas mais um épico roqueiro, sufocado pelo arranjo elétrico. Aqui, ela refulge como um hino religioso. A certa altura, Fito canta: "si alguna vez me cruzas por la calle/regálame tu beso y no te aflijas/si ves que estoy pensando en otra cosa/no es nada malo, es que pasó una brisa/la brisa de la muerte enamorada/que ronda como un ángel asesino/mas no te asustes siempre se me pasa/es solo la intuición de mi destino". Pode até ser que a arrogância musical (não compartilhada por esse que vos escreve) de um país que seguramente faz das melhores músicas populares existente, condene esse melodrama portenho, mas o sentimento de quem entende o que Fito canta, mesmo que ele cantasse em cantonês; sempre falará mais alto.
Obviamente os dois disco-espetáculos estão disponíveis para download na web, mas se vale uma sugestão de quem já empreendeu algum dinheiro em péssimos investimentos musicais, os dois discos valem ser comprados, são monolitos da boa música, noites incriveis em diferente tempo e espaço condensados em corpo de plástico, aquisições que não tem preço.
*Para maiores detalhes, leiam "Fup" de Jim Dodge.
domingo, 24 de maio de 2009
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Não vejo grande evolução de Blindo Guardian a Fito Páez, esse argentino é o Ó.
ResponderExcluirvery cool, Mr. Gonçalves ;)
ResponderExcluireu comecei a ler esse post mas não entendi muito bem! rs mas adorei o título "Me gusta estar ao lado del camino".
ResponderExcluirobrigada pelos comentários nos meus posts, não são muitos, mas obrigada por ler o que escrevo! ah, e mudei minha foto do perfil. agora não o faz lembrar da Naomi Yang. rs
Beijão!