Como vocês se chamavam antes de se juntarem?
Ele: Desculpe, mas não podemos responder. Segredo de casal...
Ela: É que o antes deixou de contar para nós.
Ele: Exato. Decidimos apagar o passado, já que nossa existência se fez plena somente depois de nos ligarmos. Agora somos apenas Julia Eu e Tu.
Por que Julia e não um nome masculino?
Ele: Ora, porque as mulheres sempre têm preferência. O senhor nunca ouviu falar em cavalheirismo?
Ela: Ele não é mesmo um gentleman?
Quando vocês se conheceram?
Ele: Há três primaveras. Eu frequentava festas de casamento, sabe? Ali as moças solitárias se mostram mais vulneráveis...
Ela: Até me fisgar, ele se portava como um sedutor irresponsável. Um Dom Juan, imagine!
Ele: De fato. Eu era um autêntico heartbreaker. E não me incomodava de agir assim. Mas as coisas mudaram da água para o vinho mal a avistei em uma daquelas festas.
Ela: Eu estava distraída, muito distraída. Perto da meia-noite, saquei da minha bolsa minha cigarrilha francesa e...
Ele: ...prontamente acendi meu Zippo prateado.
Ela: Um isqueiro robusto que, numa fração de segundos, se colocou à minha frente, com uma labareda irrecusável.
Ele: E olha que nem fumo! Carregava o Zippo no paletó justamente para emergências do gênero.
Ela: Costumo dizer que nos completamos desde o primeiro instante. Eu com a cigarrilha francesa, ele com o Zippo prateado.
Vocês buscavam a alma gêmea ou tudo se deu por acaso?
Ele: Não buscava conscientemente. Só compreendi que a procurava quando a encontrei.
Ela: Também não creio que buscasse. Estava distraída demais para pensar nisso. Gosto de acreditar que o acaso nos apadrinhou.
Ele: O acaso é o pai da felicidade, meu caro. E a expectativa, a mãe da decepção.
O que o atraiu nela?
Ele: A distração, sem dúvida. Adoro mulheres distraídas. Uma dama distraída é uma dama desprotegida.
O que a atraiu nele?
Ela: A elegância, a masculinidade germânica e, principalmente, o ar protetor.
Em que momento vocês se fundiram?
Ela: Foi quando nos abraçamos, ainda naquela deliciosa festa de casamento.
Ele: Um único abraço, enquanto os músicos tocavam uma valsa...
Ela: ...e não nos separamos mais. Como nos folhetins.
Vocês tem saudade da época em que eram inteiros?
Ele: Que pergunta estranha! Nós somos inteiros, senhor!
Ela: Um inteiro que se compões de duas metades. Não parece óbvio?
Vou indagar de outra maneira: depois que vocês se aglutinaram, o que ocorreu com os desejos de cada um? Sumiram? Modificaram-se?
Ele: Não sumiram de jeito nenhum. Ela, inclusive, se esforça bastante para realizar os meus desejos.
Quais?
Ele: Francamente! Pedir que um cavalheiro desnude intimidades de alcova em público...
Não me refiro a desejos sexuais.
Ele: Ah, perdão. Na verdade, jamais examinei o assunto em detalhes. Permita-me consultá-la: "Querida, você acha que possuímos desejos individuais?".
Ela: Não sei... O meu olhar já se confundiu tanto com o seu...
Ele: O que existe são diferenças de comportamento.
Ela: Sim, algumas.
Por exemplo?
Ela: Eu fumo, como mencionei no início da conversa.
Ele: Eu abomino cigarros.
E de que modo resolvem o impasse?
Ela: Tento fumar longe dele.
Impossível, não?
Ela: Nada é impossível para o amor.
Ele: Bingo! A danadinha sempre tira a frase da cartola quando se vê em apuros.
Ela: Eu também aprecio um bom drinque.
Ele: Eu bebo pouco. Mas não me importo de, às vezes, suprendê-la alegrinha. Admiro o senso de humor dela sob a inspiração do álcool.
Ela: Em contrapartida, dormimos e acordamos no mesmíssimo horário.
Ele: É incrível! Todas as manhãs, tão logo me espreguiço, lhe pergunto: "Acordou?"...
Ela: ...e eu: "Acabei de despertar".
Caso vocês se separem...
Ela: Por favor, nem continue! Não suporto a ideia de nos separarmos. Se uma tragédia dessas acontecer, vou tomar muita champanhe de quinta. Litros e litros!
Ele: Os profissionais de imprensa deveriam poupar os leitores de ilações sensacionalistas...
Ela: Mas por que o senhor levantou a hipótese? Ele lhe confidenciou algo? O canalha planeja me abandonar?!?
Ele: Alto lá! Vamos encerrar imediatamente a entrevista! O senhor não percebe que está magoando a minha esposa?
Deixe-me apenas finalizar... qual a maior vantagem de dividir o mesmo corpo?
Ele e Ela: Nunca ficar só.
E a maior desvantagem:
Ele e Ela: Nunca ficar só.
***
O semanário inglês NME (New Musical Express) divulgou na semana passada uma lista de cinquenta discos fundamentais da presente década. Esforcei-me e decidi escolher dez que não se pode morrer sem ouvir.
1 - Yankee Hotel Foxtrot - Wilco
2 - Poses - Rufus Wainwright
3 - Howl - Black Rebel Motorcycle Club
4 - Ventura - Los Hermanos
5 - Sea Change - Beck
6 - Oh You're So Silent Jens - Jens Lekman
7 - City Zen - Kevin Johansen
8 - Gulag Orkestar - Beirut
9 - For Emma, Forever Ago - Bon Iver
10 - Back To Black - Amy Winehouse
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
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